A primavera chegou, o fim de mais um ano que passou voando está chegando, e com ele o sonho coletivo de se tornar o próximo milionário do país nos sorteios da Mega-Sena de final de ano. As filas nas casas lotéricas crescem, e a esperança se renova. Mas, em meio a tantos sonhos, surge uma pergunta curiosa, vinda de uma reportagem da BBC Brasil de 2021: "O que é mais provável? Ser atingido por um raio, nascer com seis dedos na mão, ser mordido por um tubarão ou ganhar na mega da virada?"
Pode parecer uma brincadeira, mas a matemática, mais especificamente a teoria da probabilidade, tem a resposta exata para essa questão. Entender como calcular essas chances pode não te deixar mais rico, mas certamente te deixará mais sábio.
E para você que está se preparando para o Vestibular FGV, dominar esse conhecimento é muito mais útil do que se pode imaginar. Vamos desvendar juntos os segredos por trás dos jogos de azar.

1. Tudo começou com um jogo: O nascimento da probabilidade
Poucos sabem, mas toda a teoria matemática que nos permite calcular as chances de ganhar na loteria nasceu de um problema bem mais modesto: um jogo de dados que foi interrompido antes do fim.
A questão foi proposta por Chevalier de Méré, um jogador da sociedade parisiense do século XVII, ao brilhante matemático Blaise Pascal. O desafio era o seguinte: se um jogo de dados, que termina quando um jogador vence três partidas, for interrompido antes do final, como o dinheiro da aposta deve ser dividido de forma justa entre os adversários?
Intrigado, Pascal começou a se corresponder com outro gênio da matemática, Pierre de Fermat. A colaboração entre os dois para resolver esse problema prático deu origem aos princípios fundamentais do que hoje conhecemos como a "teoria das probabilidades". O que começou como uma solução para um problema de apostas, tornou-se a fundação de um campo matemático que hoje sustenta desde o mercado de seguros até a mecânica quântica.

2. Desvendando os segredos da sorte: Conceitos essenciais
Para calcularmos nossas chances na Mega-Sena, precisamos primeiro entender alguns conceitos básicos. Um experimento cujo resultado depende do acaso, como lançar um dado ou sortear números de uma loteria, é chamado de experimento aleatório (a palavra vem do latim aleia, que significa sorte).
Para analisar esses experimentos, precisamos de um mapa. E para aplicar qualquer fórmula, primeiro temos que definir nosso campo de jogo.
2.1. Experimentos Aleatórios: Quando o resultado é uma surpresa
Um experimento aleatório é exatamente isso: uma experiência cujo resultado depende do acaso. Mesmo que você repita o experimento exatamente nas mesmas condições, o resultado pode variar.
O exemplo clássico é o lançamento de um dado. Não importa quantas vezes você o jogue, os resultados possíveis serão sempre os números de 1 a 6, e cada lançamento é uma nova surpresa.
2.2. Espaço amostral e eventos: Mapeando as possibilidades
Em probabilidade, esse campo de jogo é chamado de Espaço Amostral: o conjunto de todos os resultados possíveis de um experimento. No lançamento de um dado, o espaço amostral é o conjunto {1, 2, 3, 4, 5, 6}.
Dentro desse espaço, o resultado que nos interessa é chamado de Evento. Ele é um subconjunto do espaço amostral. Se nosso evento de interesse for "sair um número par", o conjunto desse evento será {2, 4, 6}.
2.3. A fórmula de Laplace: Calculando a probabilidade
Com o espaço amostral e o evento definidos, podemos calcular a probabilidade usando a definição clássica do matemático Pierre-Simon Laplace. Essa é a principal ferramenta para nossos cálculos.
A fórmula é muito intuitiva:
Probabilidade = (Número de Casos Favoráveis) / (Número de Casos Possíveis)
"Casos Favoráveis" são os resultados que compõem nosso evento, e "Casos Possíveis" são todos os resultados do nosso espaço amostral. É importante notar que essa definição funciona perfeitamente quando todos os resultados são "equiprováveis", ou seja, têm a mesma chance de ocorrer, como em um dado não viciado.

3. Suas reais chances na Mega-Sena
Agora, vamos aplicar esses conceitos para descobrir a verdade sobre suas chances de ganhar na Mega-Sena.
Em uma aposta simples, você escolhe 6 dezenas de um total de 60. O número total de combinações possíveis (nosso espaço amostral ou "casos possíveis") é de 50.063.860.
Sua aposta de 6 números é apenas um "caso favorável". Aplicando a fórmula de Laplace:
• Probabilidade = 1 / 50.063.860
Traduzindo esse número gigantesco para uma porcentagem, sua chance de ganhar é de aproximadamente 0,000002%.
É claro que você pode aumentar suas chances apostando em mais dezenas, mas o custo também aumenta proporcionalmente, e a probabilidade, como veremos, continua extremamente pequena.
Dezenas Apostas | Probabilidade (Aproximada)
6 ------------------------------------- 0,000002%
7 ------------------------------------- 0,000014%
10 ------------------------------------ 0,00420%
Note que, mesmo ao apostar em 10 dezenas — um investimento significativamente maior — sua chance, embora 210 vezes melhor que a aposta simples, ainda é de 0,00420%. Para contextualizar, isso é como tentar encontrar uma pessoa específica em uma cidade com mais de 23.800 habitantes. "Improvável" é um eufemismo.

4. Da loteria para a prova: Como a FGV cobra probabilidade no vestibular
Entender esses conceitos não é apenas uma curiosidade para apostadores, mas uma habilidade fundamental que é testada em processos seletivos como o da FGV. Veja como a teoria que acabamos de discutir é aplicada em uma questão real de vestibular.
Considere um jogo em que dois participantes, jogador e banca, lançam um dado cada um. O jogador aposta R$ 100 e recebe apenas uma quantia em reais, igual a 40 vezes a diferença entre o valor do seu dado e o da banca, caso seu resultado seja maior que o da banca. Caso contrário, não recebe valor algum perdendo tudo que apostou. Suponha que os dados sejam idênticos e as faces com mesma probabilidade de aparecimento.
A probabilidade de uma pessoa, na condição de jogador ter lucro nesse jogo acima de R$ 50 sobre o valor pago à banca é igual a...
Vamos resolver passo a passo:
- Definindo o espaço amostral:
Temos dois dados, cada um com 6 resultados possíveis. O total de combinações de resultados (casos possíveis) é 6 x 6 = 36.
- Entendendo a condição de lucro:
O jogador apostou R$100. Para ter um lucro superior a R$50, ele precisa receber um prêmio maior que R$150 (R$100 da aposta + R$50 de lucro). A regra do prêmio é 40 * (Jogador - Banca). Portanto, precisamos da condição: 40 * (Jogador - Banca) > 150. Dividindo ambos os lados por 40, temos que (Jogador - Banca) > 3.75. Como a diferença entre os dados é sempre um número inteiro, ela deve ser 4 ou 5.
- Identificando os casos favoráveis:
Agora, basta procurar as combinações em que a diferença entre o dado do jogador e o da banca é 4 ou 5:
- Jogador tira 5, Banca tira 1 (Diferença 4. Prêmio: 40 * 4 = R$160)
- Jogador tira 6, Banca tira 1 (Diferença 5. Prêmio: 40 * 5 = R$200)
- Jogador tira 6, Banca tira 2 (Diferença 4. Prêmio: 40 * 4 = R$160) Temos, então, 3 casos favoráveis.
4. Calculando a Probabilidade Final: Agora, basta aplicar a fórmula de Laplace:
- Probabilidade = Casos Favoráveis / Casos Possíveis = 3/36
A resposta correta é 3/36, uma aplicação direta dos conceitos que vimos.
Conclusão: Entender as chances é a melhor aposta
Embora ganhar na Mega-Sena seja um evento estatisticamente improvável, a matemática por trás dela é fascinante, poderosa e, como vimos, totalmente acessível.
Dominar os conceitos de probabilidade pode não garantir um prêmio na loteria, mas com certeza aumenta significativamente as suas chances de "ganhar" algo muito mais valioso: uma vaga na universidade dos seus sonhos.
Portanto, enquanto a sorte na loteria é um evento aleatório fugaz, o domínio da probabilidade é uma habilidade concreta e poderosa. A melhor aposta que você pode fazer não está em um bilhete, mas no seu próprio conhecimento. Invista nele, e as suas chances de sucesso—na prova e na vida—serão exponencialmente maiores.
Bons estudos!